João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um
vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna
nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara
nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em
pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro,
como ainda um conto e quinhentos em dinheiro. | João Romão è stato, dai tredici ai venticinque anni, il servo di un venditore ambulante che si è arricchito tra le quattro mura di una sporca e oscura taverna nei vicoli del quartiere di Botafogo; e ha risparmiato così tanto di quel poco che aveva guadagnato in quella dozzina d'anni, che quando il suo padrone si è ritirato in campagna, gli ha lasciato, in pagamento dei salari arretrati, non solo la vendita con quello che c'era dentro, ma anche una banconota e cinquecento in contanti. |
Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-se à labutação ainda
com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava
resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em
cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha. A
comida arranjava-lha, mediante quatrocentos réis por dia, uma quitandeira sua
vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de um velho cego residente em
Juiz de Fora e amigada com um português que tinha uma carroça de mão e fazia
fretes na cidade. | Proprietario e stabilito per proprio conto, il giovane si gettò nella fatica con ancora più ardore, in preda a un tale delirio di arricchimento da rassegnarsi alle più dure privazioni. Dormiva sul bancone della sua bottega, su una stuoia, facendo un cuscino con un sacco pieno di paglia. Si procurava il cibo per quattrocento réis al giorno da uno dei suoi vicini, Bertoleza, un creolo di trent'anni, schiavo di un vecchio cieco che viveva a Juiz de Fora ed era amico di un portoghese che aveva un carretto a mano e faceva il trasportatore in città. |
Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a mais bem
afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite peixe frito e iscas de
fígado; pagava de jornal a seu dono vinte mil-réis por mês, e, apesar disso, tinha
de parte quase que o necessário para a alforria. Um dia, porém, o seu homem,
depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu
morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta. | Anche Bertoleza lavorava sodo; la sua frutteria era la più fornita del quartiere. La mattina vendeva angu e la sera pesce fritto ed esche di fegato; pagava al suo padrone ventimila réis al mese per il giornale, e nonostante questo aveva quasi tutto il necessario per la sua libertà. Un giorno, però, il suo uomo, dopo aver corso per mezzo miglio, tirando un carico superiore alle sue forze, cadde morto sulla strada, accanto al suo carro, monco come una bestia. |
João Romão mostrou grande interesse por esta desgraça, fez-se até
participante direto dos sofrimentos da vizinha, e com tamanho empenho a
lamentou, que a boa mulher o escolheu para confidente das suas desventuras.
Abriu-se com ele, contou-lhe a sua vida de amofinações e dificuldades. “Seu
senhor comia-lhe a pele do corpo! Não era brinquedo para uma pobre mulher ter
de escarrar pr’ali, todos os meses, vinte mil-réis em dinheiro!” E segredou-lhe
então o que tinha juntado para a sua liberdade e acabou pedindo ao vendeiro que
lhe guardasse as economias, porque já de certa vez fora roubada por gatunos que
lhe entraram na quitanda pelos fundos. | João Romão si mostrò molto interessato a questa disgrazia, partecipò addirittura direttamente alle sofferenze della sua vicina e la compianse con tale dedizione che la buona donna lo scelse come confidente delle sue disgrazie. Si aprì con lui e gli raccontò la sua vita fatta di amori e difficoltà. "Il suo padrone le mangiava la pelle del corpo! Non era un gioco per una povera donna dover scroccare ogni mese ventimila réis in denaro!". Poi gli sussurrò quello che aveva raccolto per la sua libertà e finì per chiedere al commesso di tenere i suoi risparmi perché era già stata derubata una volta da ladri entrati nel suo negozio dal retro. |
Daí em diante, João Romão tornou-se o caixa, o procurador e o conselheiro
da crioula. No fim de pouco tempo era ele quem tomava conta de tudo que ela
produzia e era também quem punha e dispunha dos seus pecúlios, e quem se
encarregava de remeter ao senhor os vinte mil-réis mensais. Abriu-lhe logo uma
conta corrente, e a quitandeira, quando precisava de dinheiro para qualquer
coisa, dava um pulo até à venda e recebia-o das mãos do vendeiro, de “Seu
João”, como ela dizia. Seu João debitava metodicamente essas pequenas
quantias num caderninho, em cuja capa de papel pardo lia-se, mal escrito e em
letras cortadas de jornal: “Ativo e passivo de Bertoleza”. | Da quel momento João Romão divenne il cassiere, il procuratore e il consigliere della creola. In breve tempo fu lui a occuparsi di tutto ciò che lei produceva, a mettere e a disporre dei suoi guadagni e a inviare i ventimila ryo mensili al padrone. Ben presto aprì un conto corrente per lei e la fruttivendola, quando aveva bisogno di denaro per qualsiasi cosa, andava al negozio e lo riceveva dalle mani del venditore, "Seu João", come lo chiamava lei. Seu João addebitava metodicamente queste piccole somme su un quadernetto, sulla cui copertina di carta marrone si leggeva, scritto male e con lettere ritagliate da un giornale: "Attività e passività di Bertoleza". |
E por tal forma foi o taverneiro ganhando confiança no espírito da mulher,
que esta afinal nada mais resolvia só por si, e aceitava dele, cegamente, todo e
qualquer arbítrio. Por último, se alguém precisava tratar com ela qualquer
negócio, nem mais se dava ao trabalho de procurá-la, ia logo direito a João
Romão. | Il taverniere acquisì così tanta fiducia nello spirito della donna che questa non riuscì più a risolvere nulla da sola e accettò ciecamente ogni sua decisione. Alla fine, se qualcuno aveva bisogno di fare affari con lei, non si preoccupava nemmeno di cercarla, andava direttamente da João Romão. |
Quando deram fé estavam amigados.
Ele propôs-lhe morarem juntos e ela concordou de braços abertos, feliz em
meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza não
queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça
superior à sua. | Quando lo scoprirono erano amici. Lui le propose di andare a vivere insieme e lei accettò a braccia aperte, felice di avere di nuovo a che fare con un portoghese, perché, come tutte le cafuza, Bertoleza non voleva essere sottomessa ai neri e cercava istintivamente un uomo di razza superiore alla sua. |
João Romão comprou então, com as economias da amiga, alguns palmos de
terreno ao lado esquerdo da venda, e levantou uma casinha de duas portas,
dividida ao meio paralelamente à rua, sendo a parte da frente destinada à
quitanda e a do fundo para um dormitório que se arranjou com os cacarecos de
Bertoleza. Havia, além da cama, uma cômoda de jacarandá muito velha com
maçanetas de metal amarelo já mareadas, um oratório cheio de santos e forrado
de papel de cor, um baú grande de couro cru tacheado, dois banquinhos de pau
feitos de uma só peça e um formidável cabide de pregar na parede, com a sua
competente coberta de retalhos de chita. | João Romão comprò allora, con i risparmi dell'amico, qualche metro di terreno sul lato sinistro della vendita e costruì una casetta a due porte, divisa a metà parallelamente alla strada, con la parte anteriore per il negozio di alimentari e quella posteriore per una camera da letto che fu sistemata con le cose di Bertoleza. Oltre al letto, c'era un vecchissimo cassettone di palissandro con i pomelli di metallo giallo già manomessi, un oratorio pieno di santi e foderato di carta colorata, un grande baule di cuoio grezzo, due sgabelli di legno fatti di un unico pezzo e un formidabile appendiabiti che poteva essere appeso al muro, con il suo competente rivestimento di strisce di chita (tessuto di cotone tradizionale portoghese). |
O vendeiro nunca tivera tanta mobília.
— Agora, disse ele à crioula, as coisas vão correr melhor para você. Você
vai ficar forra; eu entro com o que falta.
Nesse dia ele saiu muito à rua, e uma semana depois apareceu com uma
folha de papel toda escrita, que leu em voz alta à companheira.
— Você agora não tem mais senhor! declarou em seguida à leitura, que ela
ouviu entre lágrimas agradecidas. Agora está livre. Doravante o que você fizer é
só seu e mais de seus filhos, se os tiver. Acabou-se o cativeiro de pagar os vinte
mil-réis à peste do cego! | Il venditore non aveva mai avuto così tanti mobili. - Ora, disse al creolo, le cose andranno meglio per te. Tu sarai al verde; io entrerò con quello che resta". Quel giorno uscì molto e una settimana dopo si presentò con un foglio di carta tutto scritto, che lesse ad alta voce al suo compagno. - Non hai più un padrone! dichiarò dopo la lettura, che lei ascoltò tra lacrime di gratitudine. Ora sei libera. D'ora in poi, qualsiasi cosa farai sarà tua e dei tuoi figli, se ne avrai. La schiavitù di pagare i ventimila réis alla peste del cieco è finita! |
— Coitado! A gente se queixa é da sorte! Ele, como meu senhor, exigia o
jornal, exigia o que era seu!
— Seu ou não seu, acabou-se! E vida nova!
Contra todo o costume, abriu-se nesse dia uma garrafa de vinho do Porto, e
os dois beberam-na em honra ao grande acontecimento. Entretanto, a tal carta de
liberdade era obra do próprio João Romão, e nem mesmo o selo, que ele
entendeu de pespegar-lhe em cima, para dar à burla maior formalidade,
representava despesa porque o esperto aproveitara uma estampilha já servida. O
senhor de Bertoleza não teve sequer conhecimento do fato; o que lhe constou,
sim, foi que a sua escrava lhe havia fugido para a Bahia depois da morte do
amigo. | - Poveretto! Ci si lamenta della propria fortuna! Lui, come mio padrone, ha preteso il giornale, ha preteso ciò che era suo! - Suo o non suo, è finita! E nuova vita! Contro ogni consuetudine, quel giorno fu aperta una bottiglia di Porto e i due la bevvero in onore del grande evento. Tuttavia, quella lettera di libertà era opera dello stesso João Romão e nemmeno il francobollo, che decise di apporre per dare maggiore ufficialità all'imbroglio, rappresentava una spesa perché il furbo aveva utilizzato un francobollo già servito. Il padrone di Bertoleza non era nemmeno a conoscenza del fatto; quello che seppe fu che il suo schiavo era scappato a Bahia dopo la morte dell'amico. |
— O cego que venha buscá-la aqui, se for capaz... desafiou o vendeiro de si
para si. Ele que caia nessa e verá se tem ou não pra pêras!
Não obstante, só ficou tranqüilo de todo daí a três meses, quando lhe
constou a morte do velho. A escrava passara naturalmente em herança a
qualquer dos filhos do morto; mas, por estes, nada havia que recear: dois
pândegos de marca maior que, empolgada a legitima, cuidariam de tudo, menos
de atirar-se na pista de uma crioula a quem não viam de muitos anos àquela
parte. “Ora! bastava já, e não era pouco, o que lhe tinham sugado durante tanto
tempo!” | - Il cieco può venire a prenderlo qui, se è in grado... sfidò il venditore. Che ci caschi e veda se ha o meno qualcosa da mangiare! Tuttavia, si tranquillizzò completamente solo dopo tre mesi, quando seppe che il vecchio era morto. Lo schiavo passava naturalmente in eredità a uno qualsiasi dei figli del morto; ma per questi non c'era nulla da temere: due furfanti di prim'ordine che, una volta eccitata la legittimità, avrebbero pensato a tutto, tranne che a mettersi sulle tracce di un creolo che non vedevano da molti anni. "Ora bastava, e non poco, quello che le avevano succhiato per tanto tempo! |
Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de
caixeiro, de criada e de amante. Mourejava a valer, mas de cara alegre; às quatro
da madrugada estava já na faina de todos os dias, aviando o café para os
fregueses e depois preparando o almoço para os trabalhadores de uma pedreira
que havia para além de um grande capinzal aos fundos da venda. Varria a casa,
cozinhava, vendia ao balcão na taverna, quando o amigo andava ocupado lá por
fora; fazia a sua quitanda durante o dia no intervalo de outros serviços, e à noite
passava-se para a porta da venda, e, defronte de um fogareiro de barro, fritava
fígado e frigia sardinhas, que Romão ia pela manhã, em mangas de camisa, de
tamancos e sem meias, comprar à praia do Peixe. | Bertoleza rappresentava ora con João Romão il triplice ruolo di cassiera, cameriera e padrona. Lavorava sodo, ma con un viso allegro; alle quattro del mattino era già al suo lavoro quotidiano, preparando il caffè per i clienti e poi il pranzo per gli operai di una cava che esisteva oltre una grande siepe sul retro del negozio. Spazzava la casa, cucinava, vendeva al banco dell'osteria, quando il suo amico era impegnato fuori; faceva la sua frutteria durante il giorno, tra un servizio e l'altro, e la sera andava alla porta del negozio e, davanti a una stufa di terracotta, friggeva fegato e sardine fritte, che Romão andava la mattina, in maniche di camicia, zoccoli e senza calze, a comprare sulla spiaggia di Peixe. |
E o demônio da mulher ainda
encontrava tempo para lavar e consertar, além da sua, a roupa do seu homem,
que esta, valha a verdade, não era tanta e nunca passava em todo o mês de
alguns pares de calças de zuarte e outras tantas camisas de riscado.
João Romão não saia nunca a passeio, nem ia à missa aos domingos; tudo
que rendia a sua venda e mais a quitanda seguia direitinho para a caixa
econômica e daí então para o banco. Tanto assim que, um ano depois da
aquisição da crioula, indo em hasta pública algumas braças de terra situadas ao
fundo da taverna, arrematou-as logo e tratou, sem perda de tempo, de construir
três casinhas de porta e janela. | E quel diavolo di donna trovava ancora il tempo di lavare e rammendare, oltre ai propri, anche i vestiti del suo uomo, che, va detto, non erano molti e non andavano oltre qualche paio di pantaloni zuarte e qualche camicia a righe. João Romão non usciva mai per una passeggiata, né andava a messa la domenica; tutto quello che entrava dalle sue vendite e dal fruttivendolo andava direttamente alla cassa di risparmio e da lì alla banca. Tanto che, un anno dopo l'acquisto della creola, quando vennero messi all'asta alcuni metri di terreno sul retro dell'osteria, li acquistò immediatamente e, senza perdere tempo, costruì tre casette con porte e finestre. |
Que milagres de esperteza e de economia não realizou ele nessa construção!
Servia de pedreiro, amassava e carregava barro, quebrava pedra; pedra, que o
velhaco, fora de horas, junto com a amiga, furtavam à pedreira do fundo, da
mesma forma que subtraiam o material das casas em obra que havia por ali
perto. | Quali miracoli di intelligenza e di economia compì in quella costruzione! Faceva il muratore, impastava e trasportava l'argilla, spaccava le pietre; pietre che il furfante, fuori orario, insieme al suo amico, rubava dalla cava posteriore, così come rubavano il materiale dalle case vicine che si stavano costruendo. |
Estes furtos eram feitos com todas as cautelas e sempre coroados do melhor
sucesso, graças à circunstância de que nesse tempo a polícia não se mostrava
muito por aquelas alturas. João Romão observava durante o dia quais as obras
em que ficava material para o dia seguinte, e à noite lá estava ele rente, mais a
Bertoleza, a removerem tábuas, tijolos, telhas, sacos de cal, para o meio da rua,
com tamanha habilidade que se não ouvia vislumbre de rumor. Depois, um
tomava uma carga e partia para casa, enquanto o outro ficava de alcatéia ao lado
do resto, pronto a dar sinal, em caso de perigo; e, quando o que tinha ido
voltava, seguia então o companheiro, carregado por sua vez. | Questi furti venivano compiuti con ogni precauzione e sempre coronati dal miglior successo, grazie alla circostanza che all'epoca la polizia non si faceva vedere molto da quelle parti. João Romão osservava durante il giorno quali opere avevano materiale per il giorno successivo, e di notte lui e Bertoleza erano lì a rimuovere tavole, mattoni, tegole, sacchi di imbiancatura fino al centro della strada, con una tale abilità che non si sentiva un minimo rumore. Poi uno prendeva un carico e tornava a casa, mentre l'altro stava accanto al resto, pronto a dare un segnale in caso di pericolo; e quando quello che era andato tornava, il compagno lo seguiva, carico a sua volta. |
Nada lhes escapava, nem mesmo as escadas dos pedreiros, os cavalos de
pau, o banco ou a ferramenta dos marceneiros.
E o fato é que aquelas três casinhas, tão engenhosamente construídas, foram
o ponto de partida do grande cortiço de São Romão.
Hoje quatro braças de terra, amanhã seis, depois mais outras, ia o vendeiro
conquistando todo o terreno que se estendia pelos fundos da sua bodega; e, à
proporção que o conquistava, reproduziam-se os quartos e o número de
moradores. | Non gli sfuggiva nulla, nemmeno le scale da muratore, i cavalli di legno, il banco o gli attrezzi da carpentiere. E il fatto è che quelle tre casette, così ingegnosamente costruite, furono il punto di partenza della grande proprietà di São Romão. Oggi quattro braccia di terra, domani sei, poi altre, il venditore conquistava tutto il terreno che si estendeva fino al retro della sua bodega; e, a mano a mano che lo conquistava, si riproducevano le stanze e il numero degli abitanti. |
Sempre em mangas de camisa, sem domingo nem dia santo, não perdendo
nunca a ocasião de assenhorear-se do alheio, deixando de pagar todas as vezes
que podia e nunca deixando de receber, enganando os fregueses, roubando nos
pesos e nas medidas, comprando por dez réis de mel coado o que os escravos
furtavam da casa dos seus senhores, apertando cada vez mais as próprias
despesas, empilhando privações sobre privações, trabalhando e mais a amiga
como uma junta de bois, João Romão veio afinal a comprar uma boa parte da
bela pedreira, que ele, todos os dias, ao cair da tarde, assentado um instante à
porta da venda, contemplava de longe com um resignado olhar de cobiça.
Pôs lá seis homens a quebrarem pedra e outros seis a fazerem lajedos e
paralelepípedos, e então principiou a ganhar em grosso, tão em grosso que,
dentro de ano e meio, arrematava já todo o espaço compreendido entre as suas
casinhas e a pedreira, isto é, umas oitenta braças de fundo sobre vinte de frente
em plano enxuto e magnífico para construir. | Sempre in maniche di camicia, senza domenica o giorno festivo, senza mai perdere l'occasione di impossessarsi di beni altrui, non pagando tutte le volte che poteva e non mancando mai di ricevere, imbrogliando i clienti, rubando nei pesi e nelle misure, comprando per dieci réis di miele filtrato quello che gli schiavi rubavano nelle case dei loro padroni, João Romão acquistò infine una buona parte della bella cava, che ogni sera al tramonto, seduto per un attimo sulla porta del negozio, guardava da lontano con uno sguardo rassegnato di avidità. Vi mise sei uomini a spaccare la pietra e altri sei a fare lastre e sampietrini, e poi cominciò a guadagnare molto, così tanto che nel giro di un anno e mezzo aveva già comprato tutta l'area tra le sue casette e la cava, cioè ottanta braccia di profondità e venti di fronte, in un piano di costruzione snello e magnifico. |
Justamente por essa ocasião vendeu-se também um sobrado que ficava à
direita da venda, separado desta apenas por aquelas vinte braças; de sorte que
todo o flanco esquerdo do prédio, coisa de uns vinte e tantos metros, despejava
para o terreno do vendeiro as suas nove janelas de peitoril. Comprou-o um tal
Miranda, negociante português, estabelecido na Rua do Hospício com uma loja
de fazendas por atacado. Corrida uma limpeza geral no casarão, mudar-se-ia ele
para lá com a família, pois que a mulher, Dona Estela, senhora pretensiosa e
com fumaças de nobreza, já não podia suportar a residência no centro da cidade,
como também sua menina, a Zulmirinha, crescia muito pálida e precisava de
largueza para enrijar e tomar corpo. | Proprio in questa occasione fu venduta anche una casa a due piani, che si trovava sulla destra della vendita, separata da essa solo da quei venti metri; così che tutto il lato sinistro dell'edificio, circa venti metri, si affacciava sul terreno del venditore con le sue nove finestre a davanzale. La casa era stata acquistata da un uomo d'affari portoghese di nome Miranda, che aveva sede in Rua do Hospício con un negozio di vendita all'ingrosso di prodotti agricoli. Dopo una pulizia generale della casa, vi si sarebbe trasferito con la famiglia, dal momento che la moglie, Dona Estela, una signora pretenziosa e dai fumi della nobiltà, non poteva più sopportare di vivere in centro città, così come la sua bambina, Zulmirinha, che stava diventando troppo pallida e aveva bisogno di più spazio per crescere e prendere corpo. |
Isto foi o que disse o Miranda aos colegas, porém a verdadeira causa da
mudança estava na necessidade, que ele reconhecia urgente, de afastar Dona
Estela do alcance dos seus caixeiros. Dona Estela era uma mulherzinha levada
da breca: achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido
toda sorte de desgostos. Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio,
o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério; ficou furioso e o seu
primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com o cúmplice; mas a sua
casa comercial garantia-se com o dote que ela trouxera, uns oitenta contos em
prédios e ações da divida publica, de que se utilizava o desgraçado tanto quanto
lhe permitia o regime dotal. Além de que, um rompimento brusco seria obra
para escândalo, e, segundo a sua opinião, qualquer escândalo doméstico ficava
muito mal a um negociante de certa ordem. Prezava, acima de tudo, a sua
posição social e tremia só com a idéia de ver-se novamente pobre, sem recursos
e sem coragem para recomeçar a vida, depois de se haver habituado a umas
tantas regalias e afeito à hombridade de português rico que já não tem pátria na
Europa. | Questo è ciò che Miranda disse ai suoi colleghi, ma la vera causa del cambiamento fu la necessità, da lui riconosciuta come urgente, di tenere Doña Estela fuori dalle mani dei suoi impiegati. Dona Estela era una donnina molto birichina: era sposata da tredici anni e durante questo periodo aveva dato al marito ogni sorta di dispiacere. Già prima della fine del secondo anno di matrimonio, Miranda l'aveva colta in flagrante adulterio; lui si era infuriato e il suo primo impulso era stato quello di mandarla al diavolo insieme al suo complice; ma i suoi affari erano garantiti dalla dote che lei aveva portato con sé, circa ottantamila escudos in edifici e quote del debito pubblico, che il malcapitato usava nella misura in cui il regime di dote glielo permetteva. Inoltre, una rottura brusca sarebbe stata uno scandalo e, secondo la sua opinione, qualsiasi scandalo domestico sarebbe stato molto negativo per un uomo d'affari di un certo ordine. Egli apprezzava soprattutto la sua posizione sociale e tremava all'idea di tornare povero, senza risorse e senza il coraggio di ricominciare la vita, dopo essersi abituato a tanti benefici e all'omogeneità di un ricco portoghese che non ha più una patria in Europa. |
Acovardado defronte destes raciocínios, contentou-se com uma simples
separação de leitos, e os dois passaram a dormir em quartos separados. Não
comiam juntos, e mal trocavam entre si uma ou outra palavra constrangida,
quando qualquer inesperado acaso os reunia a contragosto.
Odiavam-se. Cada qual sentia pelo outro um profundo desprezo, que pouco
a pouco se foi transformando em repugnância completa. O nascimento de
Zulmira veio agravar ainda mais a situação; a pobre criança, em vez de servir de
elo aos dois infelizes, foi antes um novo isolador que se estabeleceu entre eles.
Estela amava-a menos do que lhe pedia o instinto materno por supô-la filha do
marido, e este a detestava porque tinha convicção de não ser seu pai.
Uma bela noite, porém, o Miranda, que era homem de sangue esperto e
orçava então pelos seus trinta e cinco anos, sentiu-se em insuportável estado de
lubricidade. Era tarde já e não havia em casa alguma criada que lhe pudesse
valer. Lembrou-se da mulher, mas repeliu logo esta idéia com escrupulosa
repugnância. Continuava a odiá-la. Entretanto este mesmo fato de obrigação em
que ele se colocou de não servir-se dela, a responsabilidade de desprezá-la,
como que ainda mais lhe assanhava o desejo da carne, fazendo da esposa infiel
um fruto proibido. Afinal, coisa singular, posto que moralmente nada diminuísse
a sua repugnância pela perjura, foi ter ao quarto dela. | Rassegnato di fronte a un simile ragionamento, si accontentò di una semplice separazione dei letti e i due cominciarono a dormire in stanze separate. Non mangiavano insieme e si scambiavano a malapena una o due parole imbarazzanti, quando un'occasione inaspettata li faceva incontrare senza volerlo. Si odiavano a vicenda. Ognuno di loro provava un profondo disprezzo per l'altro, che gradualmente si trasformò in totale ripugnanza. La nascita di Zulmira aggravò ancora di più la situazione; la povera bambina, invece di fungere da legame tra le due sfortunate, fu piuttosto un nuovo isolante che si stabilì tra loro. Estela la amava meno di quanto il suo istinto materno avrebbe voluto, perché pensava che fosse figlia di suo marito, e lui la odiava perché era convinto di non essere suo padre. Una bella sera, però, Miranda, che era un uomo di sangue intelligente e aveva allora circa trentacinque anni, si sentì in uno stato di lubrificazione insopportabile. Era già tardi e in casa non c'era nessuna cameriera che potesse aiutarlo. Si ricordò di sua moglie, ma respinse subito l'idea con scrupolosa ripugnanza. La odiava ancora. Tuttavia, proprio l'obbligo di non servirsi di lei, la responsabilità di disprezzarla, per così dire, suscitava in lui il desiderio della carne, facendo della moglie infedele un frutto proibito. Alla fine, cosa singolare, anche se moralmente nulla diminuiva la sua ripugnanza per la spergiura, si recò nella stanza di lei. |
A mulher dormia a sono solto. Miranda entrou pé ante pé e aproximou-se da
cama. “Devia voltar!... pensou. Não lhe ficava bem aquilo!...” Mas o sangue
latejava-lhe, reclamando-a. Ainda hesitou um instante, imóvel, a contemplá-la
no seu desejo.
Estela, como se o olhar do marido lhe apalpasse o corpo, torceu-se sobre o
quadril da esquerda, repuxando com as coxas o lençol para a frente e
patenteando uma nesga de nudez estofada e branca. O Miranda não pôde resistir,
atirou-se contra ela, que, num pequeno sobressalto, mais de surpresa que de
revolta, desviou-se, tornando logo e enfrentando com o marido. E deixou-se
empolgar pelos rins, de olhos fechados, fingindo que continuava a dormir, sem a
menor consciência de tudo aquilo. | La donna dormiva profondamente. Miranda entrò a piedi uniti e si avvicinò al letto. "Dovrei tornare indietro!" pensò. Non le starebbe bene...". Ma il sangue pulsava, reclamandola. Esitò ancora un attimo, immobile, contemplando il suo desiderio. Estela, come se lo sguardo del marito stesse palpeggiando il suo corpo, si contorse sul fianco sinistro, tirando il lenzuolo in avanti con le cosce e rivelando un lembo di nudità bianca imbottita. Miranda non resistette, si gettò su di lei che, con un piccolo shock, più di sorpresa che di rivolta, si allontanò, tornando subito ad affrontare il marito. E si lasciò trasportare dalle sue reni, con gli occhi chiusi, fingendo di dormire ancora, senza la minima consapevolezza di tutto ciò. |
Ah! ela contava como certo que o esposo, desde que não teve coragem de
separar-se de casa, havia, mais cedo ou mais tarde, de procurá-la de novo.
Conhecia-lhe o temperamento, forte para desejar e fraco para resistir ao desejo.
Consumado o delito, o honrado negociante sentiu-se tolhido de vergonha e
arrependimento. Não teve animo de dar palavra, e retirou-se tristonho e murcho
para o seu quarto de desquitado.
Oh! como lhe doía agora o que acabava de praticar na cegueira da sua
sensualidade. | Ah! Era certa che suo marito, visto che non aveva il coraggio di andarsene da casa, prima o poi l'avrebbe cercata di nuovo. Conosceva il suo temperamento, forte nel desiderare e debole nel resistere. Una volta commesso il crimine, l'onorevole mercante si sentì sopraffatto dalla vergogna e dal rimpianto. Non ebbe il coraggio di parlare e si ritirò triste e avvizzito nella sua stanza divorziata. Oh, quanto lo addolorava ora ciò che aveva appena praticato nella cecità della sua sensualità. |
— Que cabeçada!... dizia ele agitado. Que formidável cabeçada!...
No dia seguinte, os dois viram-se e evitaram-se em silêncio, como se nada
de extraordinário houvera entre eles acontecido na véspera. Dir-se-ia até que,
depois daquela ocorrência, o Miranda sentia crescer o seu ódio contra a esposa.
E, à noite desse mesmo dia, quando se achou sozinho na sua cama estreita, jurou
mil vezes aos seus brios nunca mais, nunca mais, praticar semelhante loucura.
Mas, daí a um mês, o pobre homem, acometido de um novo acesso de
luxúria, voltou ao quarto da mulher. | - Che colpo di testa! Che colpo di testa formidabile! Il giorno dopo, i due si videro e si evitarono in silenzio, come se il giorno prima non fosse successo nulla di straordinario tra loro. Si potrebbe addirittura dire che, dopo quell'evento, Miranda sentì crescere l'odio per la moglie. E, la sera di quello stesso giorno, quando si ritrovò da solo nel suo angusto letto, giurò mille volte al suo cuore di non praticare mai più, mai più, una simile follia. Ma, un mese dopo, il pover'uomo, colpito da un nuovo attacco di lussuria, tornò nella stanza della moglie. |
Estela recebeu-o desta vez como da primeira, fingindo que não acordava; na
ocasião, porém, em que ele se apoderava dela febrilmente, a leviana, sem se
poder conter, soltou-lhe em cheio contra o rosto uma gargalhada que a custo
sopeava. O pobre-diabo desnorteou, deveras escandalizado, soerguendo-se,
brusco, num estremunhamento de sonâmbulo acordado com violência.
A mulher percebeu a situação e não lhe deu tempo para fugir; passou-lhe
rápido as pernas por cima e, grudando-se-lhe ao corpo, cegou-o com uma
metralhada de beijos.
Não se falaram. | Estela lo accolse questa volta come la prima volta, fingendo di non svegliarsi; ma quando lui la strinse febbrilmente a sé, la frivola ragazza, incapace di contenersi, si lasciò sfuggire una risata di cuore contro il suo viso. Il povero diavolo rimase sconcertato, veramente scandalizzato, alzandosi bruscamente in piedi con il tremolio di una sonnambula risvegliata con violenza. La donna capì la situazione e non gli diede il tempo di scappare; gli passò rapidamente le gambe sopra e, aggrappandosi al suo corpo, lo accecò con una mitragliata di baci. Non si parlarono. |
Miranda nunca a tivera, nem nunca a vira, assim tão violenta no prazer.
Estranhou-a. Afigurou-se-lhe estar nos braços de uma amante apaixonada:
descobriu nela o capitoso encanto com que nos embebedam as cortesãs
amestradas na ciência do gozo venéreo. Descobriu-lhe no cheiro da pele e no
cheiro dos cabelos perfumes que nunca lhe sentira; notou-lhe outro hálito, outro
som nos gemidos e nos suspiros. E gozou-a, gozou-a loucamente, com delírio,
com verdadeira satisfação de animal no cio. | Miranda non l'aveva mai avuta, né l'aveva mai vista, così violenta nel piacere. La trovò strana. Gli sembrava di essere tra le braccia di un amante appassionato: scoprì in lei il fascino accattivante con cui ci ubriacano le cortigiane addestrate alla scienza del piacere venereo. Scoprì nell'odore della sua pelle e nel profumo dei suoi capelli profumi che non aveva mai sentito; notò un altro respiro, un altro suono nei suoi gemiti e sospiri. E godette, godette follemente, con delirio, con la vera soddisfazione di un animale in calore. |
E ela também, ela também gozou, estimulada por aquela circunstância
picante do ressentimento que os desunia; gozou a desonestidade daquele ato que
a ambos acanalhava aos olhos um do outro; estorceu-se toda, rangendo os
dentes, grunhindo, debaixo daquele seu inimigo odiado, achando-o também
agora, como homem, melhor que nunca, sufocando-o nos seus braços nus,
metendo-lhe pela boca a língua úmida e em brasa. Depois, um arranco de corpo
inteiro, com um soluço gutural e estrangulado, arquejante e convulsa,
estatelou-se num abandono de pernas e braços abertos, a cabeça para o lado, os
olhos moribundos e chorosos, toda ela agonizante, como se a tivessem
crucificado na cama. | E anche lei, anche lei godeva, stimolata da quella circostanza piccante del risentimento che li disuniva; godeva della disonestà di quell'atto che li rendeva entrambi incatenati l'uno agli occhi dell'altro; si stendeva tutta, stringendo i denti, grugnendo, sotto quel suo odiato nemico, trovando anche lui, ora, come uomo, meglio che mai, soffocandolo tra le sue braccia nude, infilandogli la lingua umida e bruciante in bocca. Poi, uno strappo in tutto il corpo, con un singhiozzo gutturale e strozzato, ansimando e convulso, si sdraiò in una sbandata con le gambe e le braccia aperte, la testa di lato, gli occhi morenti e piangenti, tutti agonizzanti, come se l'avessero crocifissa nel letto. |
A partir dessa noite, da qual só pela manhã o Miranda se retirou do quarto
da mulher, estabeleceu-se entre eles o hábito de uma felicidade sexual, tão
completa como ainda não a tinham desfrutado, posto que no intimo de cada um
persistisse contra o outro a mesma repugnância moral em nada enfraquecida.
Durante dez anos viveram muito bem casados; agora, porém, tanto tempo
depois da primeira infidelidade conjugal, e agora que o negociante já não era
acometido tão freqüentemente por aquelas crises que o arrojavam fora de horas
ao dormitório de Dona Estela; agora, eis que a leviana parecia disposta a
reincidir na culpa, dando corda aos caixeiros do marido, na ocasião em que estes
subiam para almoçar ou jantar. | Da quella notte, e solo la mattina dopo Miranda si ritirò dalla stanza della moglie, si stabilì tra loro l'abitudine a una felicità sessuale tanto completa quanto non ancora goduta, anche se nell'intimo di ciascuno persisteva la stessa ripugnanza morale nei confronti dell'altro, per nulla affievolita. Per dieci anni vissero felicemente sposati; ma ora, tanto tempo dopo la prima infedeltà coniugale, e ora che il mercante non era più così spesso afflitto da quelle crisi che lo gettavano fuori orario nella camera da letto di Dona Estela, ora, ecco, la frivola donna sembrava disposta a ricadere nella colpa, facendo arrabbiare i commessi del marito quando si presentavano a pranzo o a cena. |
Foi por isso que o Miranda comprou o prédio vizinho a João Romão.
A casa era boa; seu único defeito estava na escassez do quintal; mas para
isso havia remédio: com muito pouco compravam-se umas dez braças daquele
terreno do fundo que ia até à pedreira, e mais uns dez ou quinze palmos do lado
em que ficava a venda.
Miranda foi logo entender-se com o Romão e propôs-lhe negócio. O
taverneiro recusou formalmente.
Miranda insistiu. | Per questo Miranda comprò l'edificio accanto a João Romão. La casa era buona; il suo unico difetto era la mancanza di un cortile; ma a questo c'era un rimedio: con pochissimi soldi potevano comprare dieci braccia del terreno che scendeva fino alla cava, e altri dieci o quindici palmi sul lato dove c'era la vendita. Miranda andò subito da Romão e gli propose un accordo. Il taverniere rifiutò formalmente. Miranda insistette. |
— O senhor perde seu tempo e seu latim! retrucou o amigo de Bertoleza.
Nem só não cedo uma polegada do meu terreno, como ainda lhe compro, se mo
quiser vender, aquele pedaço que lhe fica ao fundo da casa!
— O quintal?
— É exato.
— Pois você quer que eu fique sem chácara, sem jardim, sem nada?
— Para mim era de vantagem...
— Ora, deixe-se disso, homem, e diga lá quanto quer pelo que lhe propus.
— Já disse o que tinha a dizer.
— Ceda-me então ao menos as dez braças do fundo.
— Nem meio palmo!
— Isso é maldade de sua parte, sabe? Eu, se faço tamanho empenho, é pela
minha pequena, que precisa, coitada, de um pouco de espaço para alargar-se.
— E eu não cedo, porque preciso do meu terreno!
— Ora qual! Que diabo pode lá você fazer ali? Uma porcaria de um pedaço
de terreno quase grudado ao morro e aos fundos de minha casa! quando você,
aliás, dispõe de tanto espaço ainda!
— Hei de lhe mostrar se tenho ou não o que fazer ali!
— É que você é teimoso! Olhe, se me cedesse as dez braças do fundo, a sua
parte ficaria cortada em linha reta até à pedreira, e escusava eu de ficar com uma
aba de terreno alheio a meter-se pelo meu. Quer saber? não amuro o quintal sem
você decidir-se!
— Então ficará com o quintal para sempre sem muro, porque o que tinha a
dizer já disse!
— Mas, homem de Deus, que diabo! pense um pouco! Você ali não pode
construir nada! Ou pensará que lhe deixarei abrir janelas sobre o meu quintal!...
— Não preciso abrir janelas sobre o quintal de ninguém!
— Nem tampouco lhe deixarei levantar parede, tapando-me as janelas da
esquerda!
— Não preciso levantar parede desse lado...
— Então que diabo vai você fazer de todo este terreno?...
— Ah! isso agora é cá comigo!... O que for soará!
— Pois creia que se arrepende de não me ceder o terreno!...
— Se me arrepender, paciência! Só lhe digo é que muito mal se sairá quem
quiser meter-se cá com a minha vida!
— Passe bem!
— Adeus! | - Sprechi il tuo tempo e il tuo latino! rispose l'amico di Bertoleza. Non solo non rinuncerò a un centimetro della mia terra, ma se vuoi vendermela, comprerò anche quel pezzo di terra sul retro della casa! - Il giardino sul retro? - Proprio così. - Quindi vuoi che non abbia una fattoria, un giardino, niente? - Sarebbe un vantaggio per me... - Ora, avanti, amico, e dimmi quanto vuoi per quello che ti ho proposto. - Ho già detto quello che dovevo dire. - Allora dammi almeno i dieci braccia del fondo. - Neanche mezzo metro! - È meschino da parte tua, lo sai. Se faccio uno sforzo del genere è per il bene della mia bambina che, poverina, ha bisogno di un po' di spazio per espandersi. - E io non mi arrenderò, perché ho bisogno della mia terra! - Oh, ma dai! Cosa diavolo puoi fare lì? Un misero pezzo di terra quasi a ridosso della collina e sul retro di casa mia, quando tu hai così tanto spazio! - Ti faccio vedere io se ho qualcosa da fare lì o no! - Sei testardo! Senti, se mi dessi i dieci metri sul retro, la tua parte sarebbe tagliata in linea retta fino alla cava, e non avrei bisogno di tenere un lembo di terra di altri per intralciare la mia. Sai una cosa? Non metterò su il cortile finché non avrai deciso! - Allora avrai il cortile per sempre senza muro, perché ho già detto quello che dovevo dire! - Ma, uomo di Dio, che diavolo! Non puoi costruire nulla lì! O pensi che ti permetterò di aprire finestre sul mio cortile? - Non ho bisogno di aprire finestre sul giardino di nessuno! - E non le permetterò di alzare un muro che blocchi le finestre alla mia sinistra! - Non ho bisogno di muri su quel lato... - E allora cosa diavolo ne farà di tutta questa terra? - Ah, ora sono affari miei. Qualunque cosa sia, suonerà! - Mi creda, si pentirà di non avermi dato la terra. - Se me ne pentirò, non preoccuparti. Ti dico che chiunque cerchi di interferire con la mia vita si troverà in una brutta situazione. - Buona giornata! - Arrivederci, signore! |
Travou-se então uma lata renhida e surda entre o português negociante de
fazendas por atacado e o português negociante de secos e molhados. Aquele não
se resolvia a fazer o muro do quintal, sem ter alcançado o pedaço de terreno que
o separava do morro; e o outro, por seu lado, não perdia a esperança de
apanhar-lhe ainda, pelo menos, duas ou três braças aos fundos da casa; parte esta
que, conforme os seus cálculos, valeria ouro, uma vez realizado o grande projeto
que ultimamente o trazia preocupado — a criação de uma estalagem em ponto
enorme, uma estalagem monstro, sem exemplo, destinada a matar toda aquela
miuçalha de cortiços que alastravam por Botafogo. | Ne seguì un feroce e assordante braccio di ferro tra il droghiere portoghese all'ingrosso e il commerciante portoghese all'ingrosso di prodotti secchi. Il primo non si risolveva a costruire il muro di cinta senza aver raggiunto il pezzo di terra che lo separava dalla collina; e il secondo, da parte sua, non perdeva la speranza di raggiungere almeno due o tre braccia del retro della casa; una parte che, secondo i suoi calcoli, sarebbe valsa oro, una volta realizzato il grande progetto che lo aveva ultimamente preoccupato - la creazione di un'enorme locanda, un mostro di locanda, senza esempio, destinato a uccidere tutto quel mucchio di palazzine che si stavano diffondendo intorno a Botafogo. |
Era este o seu ideal. Havia muito que João Romão vivia exclusivamente
para essa idéia; sonhava com ela todas as noites; comparecia a todos os leilões
de materiais de construção; arrematava madeiramentos já servidos; comprava
telha em segunda mão; fazia pechinchas de cal e tijolos; o que era tudo
depositado no seu extenso chão vazio, cujo aspecto tomava em breve o caráter
estranho de uma enorme barricada, tal era a variedade dos objetos que ali se
apinhavam acumulados: tábuas e sarrafos, troncos de árvore, mastros de navio,
caibros, restos de carroças, chaminés de barro e de ferro, fogões desmantelados,
pilhas e pilhas de tijolos de todos os feitios, barricas de cimento, montes de areia
e terra vermelha, aglomerações de telhas velhas, escadas partidas, depósitos de
cal, o diabo enfim; ao que ele, que sabia perfeitamente como essas coisas se
furtavam, resguardava, soltando à noite um formidável cão de fila.
Este cão era pretexto de eternas resingas com a gente do Miranda, a cujo
quintal ninguém de casa podia descer, depois das dez horas da noite, sem correr
o risco de ser assaltado pela fera. | Questo era il suo ideale. João Romão viveva da tempo esclusivamente per questa idea; la sognava ogni notte; partecipava a tutte le aste di materiali da costruzione; comprava legname già pronto; acquistava tegole di seconda mano; faceva affari con calce e mattoni; tutto veniva depositato sul suo vasto pavimento vuoto, il cui aspetto assunse ben presto lo strano carattere di un'enorme barricata, tanta era la varietà di oggetti che vi si accumulavano: assi e listelli, tronchi d'albero, alberi di nave, travi, resti di carri, camini di argilla e di ferro, fornelli smontati, pile e pile di mattoni di ogni forma e dimensione, barili di cemento, cumuli di sabbia e terra rossa, ammassi di vecchie tegole, scale rotte, depositi di calce, il diavolo in una parola; che lui, che sapeva perfettamente come queste cose potessero essere rubate, sorvegliava, sguinzagliando di notte un formidabile cane da guardia. Questo cane era il pretesto di eterne liti con gli abitanti di Miranda, nel cui cortile nessuno di casa poteva scendere dopo le dieci di sera senza correre il rischio di essere assalito dalla bestia. |
— É fazer o muro! dizia o João Romão, sacudindo os ombros.
— Não faço! replicava o outro. Se ele é questão de capricho eu também
tenho capricho!
Em compensação, não caia no quintal do Miranda galinha ou frango,
fugidos do cercado do vendeiro, que não levasse imediato sumiço. João Romão
protestava contra o roubo em termos violentos, jurando vinganças terríveis,
falando em dar tiros.
— Pois é fazer um muro no galinheiro! repontava o marido de Estela.
Daí a alguns meses, João Romão, depois de tentar um derradeiro esforço
para conseguir algumas braças do quintal do vizinho, resolveu principiar as
obras da estalagem.
— Deixa estar, conversava ele na cama com a Bertoleza; deixa estar que
ainda lhe hei de entrar pelos fundos da casa, se é que não lhe entre pela frente!
Mais cedo ou mais tarde como-lhe, não duas braças, mas seis, oito, todo o
quintal e até o próprio sobrado talvez! | - Si tratta di costruire il muro! disse João Romão, scuotendo le spalle. - Non lo farò! rispose l'altro. Se è una questione di capriccio, allora lo faccio anch'io! D'altra parte, nessun pollo o gallina, fuggendo dal recinto del venditore, sarebbe caduto nel cortile di Miranda senza essere immediatamente fatto sparire. João Romão protestò contro il furto in termini violenti, giurando una terribile vendetta, parlando di sparare. - Beh, costruirò un muro nel pollaio! disse il marito di Estela. Qualche mese dopo, João Romão, dopo aver fatto un ultimo sforzo per ottenere qualche metro del cortile del suo vicino, decise di iniziare la costruzione della locanda. - Sia, chiacchierava a letto con Bertoleza; sia, entrerò comunque dal retro della casa, se non dal davanti! Prima o poi mi mangerò, non due braccia, ma sei, otto, tutto il cortile e forse anche la casa stessa! |
E dizia isto com uma convicção de quem tudo pode e tudo espera da sua
perseverança, do seu esforço inquebrantável e da fecundidade prodigiosa do seu
dinheiro, dinheiro que só lhe saia das unhas para voltar multiplicado.
Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus
atos, todos, fosse o mais simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma
preocupação: aumentar os bens. Das suas hortas recolhia para si e para a
companheira os piores legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria; as
suas galinhas produziam muito e ele não comia um ovo, do que no entanto
gostava imenso; vendia-os todos e contentava-se com os restos da comida dos
trabalhadores. Aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma
loucura, um desespero de acumular; de reduzir tudo a moeda. E seu tipo baixote,
socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia e vinha da pedreira
para a venda, da venda às hortas e ao capinzal, sempre em mangas de camisa, de
tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de
cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não podia
apoderar-se logo com as unhas. | E lo diceva con la convinzione di chi poteva e si aspettava tutto dalla sua perseveranza, dal suo sforzo inflessibile e dalla prodigiosa fecondità del suo denaro, denaro che usciva dalle sue unghie solo per tornare moltiplicato. Da quando la febbre del possesso si impadronì totalmente di lui, tutti i suoi atti, tutti, per quanto semplici, avevano in mente un interesse pecuniario. Aveva una sola preoccupazione: aumentare i suoi possedimenti. Dai suoi orti raccoglieva per sé e per la sua compagna le verdure peggiori, quelle che nessuno avrebbe comprato perché erano cattive; le sue galline producevano molto e lui non mangiava un uovo, che gli piaceva molto; le vendeva tutte e si accontentava degli avanzi del cibo degli operai. Quella non era più ambizione, era un esaurimento nervoso, una follia, una disperazione di accumulare, di ridurre tutto a moneta. E il suo tipo basso e tarchiato, con i capelli a spazzola, la barba sempre incolta, andava e veniva dalla cava alla vendita, dalla vendita agli orti e ai campi, sempre in maniche di camicia, con gli zoccoli, senza calze, guardando dappertutto, con la sua eterna aria di avidità, afferrando con gli occhi tutto ciò che non poteva afferrare con le unghie. |
Entretanto, a rua lá fora povoava-se de um modo admirável. Construía-se
mal, porém muito; surgiam chalés e casinhas da noite para o dia; subiam os
aluguéis; as propriedades dobravam de valor. Montara-se uma fábrica de massas
italianas e outra de velas, e os trabalhadores passavam de manhã e às
Ave-Marias, e a maior parte deles ia comer à casa de pasto que João Romão
arranjara aos fundos da sua varanda. Abriram-se novas tavernas; nenhuma,
porém, conseguia ser tão afreguesada como a dele. Nunca o seu negocio fora tão
bem, nunca o finório vendera tanto; vendia mais agora, muito mais, que nos
anos anteriores. Teve até de admitir caixeiros. As mercadorias não lhe paravam
nas prateleiras; o balcão estava cada vez mais lustroso, mais gasto. E o dinheiro
a pingar, vintém por vintém, dentro da gaveta, e a escorrer da gaveta para a
barra, aos cinqüenta e aos cem mil-réis, e da burra para o banco, aos contos e
aos contos. | Nel frattempo, la strada esterna stava diventando mirabilmente affollata. L'edilizia era scarsa, ma si stava facendo molto; chalet e casette spuntavano da un giorno all'altro; gli affitti aumentavano; le proprietà raddoppiavano il loro valore. Vennero aperte una fabbrica di pasta italiana e un'altra di candele; gli operai venivano al mattino e alle Ave Maria, e la maggior parte di loro andava a mangiare nella casa di pascolo che João Romão aveva allestito sul retro della sua veranda. Vennero aperte nuove taverne, ma nessuna poteva essere simile alla sua. Mai i suoi affari erano andati così bene, mai il finitore aveva venduto così tanto; ora vendeva di più, molto di più, rispetto agli anni precedenti. Aveva persino dovuto assumere degli assistenti alle vendite. La merce non si fermava sugli scaffali; il bancone era sempre più lucido, più consumato. E il denaro gocciolava, centesimo dopo centesimo, dentro il cassetto, e gocciolava dal cassetto al bar, a cinquanta e centomila rèis, e dall'asino alla banca, a racconti e racconti. |
Afinal, já lhe não bastava sortir o seu estabelecimento nos armazéns
fornecedores; começou a receber alguns gêneros diretamente da Europa: o
vinho, por exemplo, que ele dantes comprava aos quintos nas casas de atacado,
vinha-lhe agora de Portugal às pipas, e de cada uma fazia três com água e
cachaça; e despachava faturas de barris de manteiga, de caixas de conserva,
caixões de fósforos, azeite, queijos, louça e muitas outras mercadorias.
Criou armazéns para depósito, aboliu a quitanda e transferiu o dormitório,
aproveitando o espaço para ampliar a venda, que dobrou de tamanho e ganhou
mais duas portas. | Dopotutto, non gli bastava più smistare il suo stabilimento nei magazzini di rifornimento; cominciò a ricevere alcune merci direttamente dall'Europa: il vino, ad esempio, che prima acquistava a quintali nelle case all'ingrosso, ora gli arrivava dal Portogallo in barili, e da ognuno ne ricavava tre con acqua e acquavite; e inviava fatture per barili di burro, scatole di conserve, scatole di fiammiferi, olio, formaggio, stoviglie e molte altre merci. Creò dei magazzini per lo stoccaggio, abolì la frutteria e spostò la camera da letto, approfittando dello spazio per ampliare il negozio, che raddoppiò le sue dimensioni e guadagnò due porte in più. |
Já não era uma simples taverna, era um bazar em que se encontrava de tudo,
objetos de armarinho, ferragens, porcelanas, utensílios de escritório, roupa de
riscado para os trabalhadores, fazenda para roupa de mulher, chapéus de palha
próprios para o serviço ao sol, perfumarias baratas, pentes de chifre, lenços com
versos de amor, e anéis e brincos de metal ordinário.
E toda a gentalha daquelas redondezas ia cair lá, ou então ali ao lado, na
casa de pasto, onde os operários das fábricas e os trabalhadores da pedreira se
reuniam depois do serviço, e ficavam bebendo e conversando até as dez horas da
noite, entre o espesso fumo dos cachimbos, do peixe frito em azeite e dos
lampiões de querosene. | Non era più una semplice osteria, era un bazar dove si poteva trovare di tutto: mercerie, ferramenta, porcellane, utensili da ufficio, vestiti a righe per gli operai, abiti da fattoria per le donne, cappelli di paglia adatti al lavoro sotto il sole, profumi a buon mercato, pettini di corno, fazzoletti con versi d'amore, anelli e orecchini di metallo comune. E tutta la gente del quartiere si recava lì, o nella casa vicina, dove gli operai delle fabbriche e delle cave si riunivano dopo il lavoro, e bevevano e parlavano fino alle dieci di sera, tra il fumo denso delle pipe, il pesce fritto nell'olio d'oliva e le lampade a paraffina. |
Era João Romão quem lhes fornecia tudo, tudo, até dinheiro adiantado,
quando algum precisava. Por ali não se encontrava jornaleiro, cujo ordenado
não fosse inteirinho parar às mãos do velhaco. E sobre este cobre, quase sempre
emprestado aos tostões, cobrava juros de oito por cento ao mês, um pouco mais
do que levava aos que garantiam a divida com penhores de ouro ou prata.
Não obstante, as casinhas do cortiço, à proporção que se atamancavam,
enchiam-se logo, sem mesmo dar tempo a que as tintas secassem. Havia grande
avidez em alugá-las; aquele era o melhor ponto do bairro para a gente do
trabalho. Os empregados da pedreira preferiam todos morar lá, porque ficavam a
dois passos da obrigação.
O Miranda rebentava de raiva. | Era João Romão che li riforniva di tutto, tutto, anche di denaro in anticipo, quando qualcuno ne aveva bisogno. Non c'era in giro un lavoratore a giornata il cui salario non finisse interamente nelle mani del furfante. E su questo rame, quasi sempre prestato a centesimi, egli applicava un interesse dell'otto per cento al mese, un po' di più di quello che faceva pagare a chi garantiva il proprio debito con pegni d'oro o d'argento. Ciononostante, le casette del tenimento, man mano che venivano impacchettate, venivano presto riempite, senza nemmeno dare il tempo alla vernice di asciugarsi. C'era una gran voglia di affittarle; questo era il posto migliore del quartiere per i lavoratori. I dipendenti della cava preferivano tutti vivere lì, perché erano a due passi dal lavoro. Miranda era piena di rabbia. |
— Um cortiço! exclamava ele, possesso. Um cortiço! Maldito seja aquele
vendeiro de todos os diabos! Fazer-me um cortiço debaixo das janelas!...
Estragou-me a casa, o malvado!
E vomitava pragas, jurando que havia de vingar-se, e protestando aos berros
contra o pó que lhe invadia em ondas as salas, e contra o infernal baralho dos
pedreiros e carpinteiros que levavam a martelar de sol a sol.
O que aliás não impediu que as casinhas continuassem a surgir, uma após
outra, e fossem logo se enchendo, a estenderem-se unidas por ali a fora, desde a
venda até quase ao morro, e depois dobrassem para o lado do Miranda e
avançassem sobre o quintal deste, que parecia ameaçado por aquela serpente de
pedra e cal. | - Un appartamento! esclamò, posseduto. Un appartamento! Maledetto venditore ambulante di tutti i diavoli! Mi ha fatto diventare un appartamento sotto le finestre! Ha rovinato la mia casa, il malvagio! E vomitava maledizioni, giurando che si sarebbe vendicato, e gridava di protesta contro la polvere che invadeva a ondate le sue stanze e contro l'infernale mazzo di muratori e carpentieri che dovevano martellare di sole in sole. Ciò non impedì che le casette continuassero ad apparire, una dopo l'altra, e presto si riempirono, allargandosi verso l'esterno, dalla vendita fin quasi alla collina, per poi piegarsi dalla parte di Miranda e avanzare sul suo cortile, che sembrava minacciato da quel serpente di pietra e calce. |
O Miranda mandou logo levantar o muro.
Nada! aquele demônio era capaz de invadir-lhe a casa até a sala de visitas!
E os quartos do cortiço pararam enfim de encontro ao muro do negociante,
formando com a continuação da casa deste um grande quadrilongo, espécie de
pátio de quartel, onde podia formar um batalhão.
Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem.
Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas vinte braças que
separavam a venda do sobrado do Miranda, um grosso muro de dez palmos de
altura, coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão
no centro, onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas, por cima de
uma tabuleta amarela, em que se lia o seguinte, escrito a tinta encarnada e sem
ortografia: | Miranda ordinò immediatamente di alzare il muro. Niente, quel demone era capace di invadere anche il salotto! E le stanze del palazzo si fermarono finalmente contro il muro del mercante, formando con la continuazione della casa del mercante un grande quadrilatero, una specie di cortile di caserma, dove si poteva formare un battaglione. Novantacinque casette componevano l'enorme locanda. Una volta pronto, João Romão ordinò di erigere davanti, nei venti metri che separavano la bottega dalla casa di Miranda, uno spesso muro alto tre metri, coronato da cocci di vetro e fondi di bottiglia, e con un grande cancello al centro, dove era appesa una lanterna di vetri rossi sopra un cartello giallo che recitava come segue, scritto con inchiostro rosso e senza ortografia: |
“Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras”.
As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia; tudo pago adiantado.
O preço de cada tina, metendo a água, quinhentos réis; sabão à parte. As
moradoras do cortiço tinham preferência e não pagavam nada para lavar.
Graças à abundância da água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e
graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a
concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos
da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma das
casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem
de pretendentes a disputá-los. | "Estalagem de São Romão. Si affittano case e vasche per le lavandaie". Le casette venivano affittate al mese e le vasche al giorno; tutto veniva pagato in anticipo. Il prezzo di ogni vasca, compresa l'acqua, era di cinquecento réis; il sapone a parte. Gli abitanti del condominio avevano la preferenza e non pagavano nulla per lavarsi. Grazie all'abbondanza d'acqua che c'era, come in nessun altro luogo, e grazie all'ampio spazio disponibile nel palazzo per stendere i panni, la competizione per le vasche non tardò ad arrivare. E non appena una delle casette, o una stanza, o un angolo dove c'era posto per un materasso, una nuvola di pretendenti appariva a contenderseli. |
E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e barulhenta,
com as suas cercas de varas, as suas hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos
de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a
negrura das limosas tinas transbordantes e o revérbero das claras barracas de
algodão cru, armadas sobre os lustrosos bancos de lavar. E os gotejantes jiraus,
cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal branco.
E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa,
começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma
geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e
multiplicar-se como larvas no esterco. | E divenne una grande lavanderia, vivace e rumorosa, con i suoi recinti di bastoni, i suoi ortaggi verdi e i suoi giardinetti di un metro e mezzo, che apparivano come angoli felici tra il nero delle vasche delle limousine traboccanti e il riverbero dei chiari banchi di cotone grezzo, sistemati sui lucidi banchi di lavaggio. E i jiros gocciolanti, coperti di vestiti bagnati, scintillavano al sole come laghi di metallo bianco. E in quella terra fradicia e fumante, in quell'umidità calda e fangosa, un mondo cominciò a sminuzzarsi, a frizzare, a crescere, un mondo, una cosa viva, una generazione, che sembrava nascere spontaneamente, proprio lì, da quella melma, e moltiplicarsi come vermi nel letame. |